Avaliação do paciente com eritrocitose ou policitemia
A
eritrocitose ou policitemia é definida por aumento do hematócrito,que
pode representar aumento da massa eritrocitária ou diminuição do volume
plasmático,o que é denominado de policitemia relativa.
Neste segundo
caso causas incluem sexo masculino,obesos e fumantes.
São
causas de policitemia relativa,portanto com massa eritrocitária normal
que têm causas como desidratação,uso de diuréticos,excesso de
cafeína,fumo,álcool,hipertensão arterial e policitemia espúria.
Em
fumantes,98% de chance de ser por contração volumétrica, pela presença
de carboxi-Hemoglobina (carboxi-Hb) ou por queda da saturação de O2.
Alguns pacientes apresentam níveis altos de hemoglobina e hematócrito,mas massa eritrocitária de tamanho normal; apresentam volume plasmático diminuído e portanto não têm uma policitemia real,sendo por este motivo denominada de espúria.
Descartando
o diagnóstico de policitemia relativa,temos a chamada policitemia
absoluta.
Os pacientes com policitemia absoluta pom ser divididas em
policitemia primária,que é chamada de policitemia vera,e policitemia
secundária.
As policitemias secundárias podem ser consideradas
fisiologicamente apropriadas ou inapropriadas.
São consideradas
condições em que a policitemia é fisiologicamente apropriada
principalmente em condições associadas à hipóxia tecidual,como
hipoxemia por doença pulmonar crônica (principalmente a DPOC),à
hipoventilação alveolar (obesidade grau 3),aos shunts cardiovasculares e
às altas concentrações carboxi-Hb,hemácias com alta afinidade pela
hemoglobina.
Pacientes submetidos a altitudes maiores que 2200 podem
evoluir com eritrocitose,inicialmente sintomas como cefaleia, sonolência,palpitações e até edema pulmonar podem ocorrer até obter a
resposta adaptativa de policitemia.
Já
condições que são associadas à policitemia considerada fisiologicamente
inapropriada,incluem neoplasias como carcinoma renal (produz
eritropoetina),hepatoma, hemangioma cerebral,leio-mioma de útero,carcinoma de ovário.
Várias doenças renais são associadas a policitemia secundária incluindo cistos renais,isquemia renal,hidronefrose, transplante renal,síndrome de Barterr e terapia com
andrógenos.
A
eritrocitose familiar é uma condição que pode ser associada com
policitemia severa,ocasionalmente com níveis de hemoglobina superiores a
20 g/dl,complicações como cefaleia crônica,HAS,doença coronariana e
AVC podem ocorrer nestes pacientes.
Outra condição descrita na
literatura é a chamada de policitemia neonatal que cursa com diminuição
da aceitação alimentar,pletora,cianose,desconforto,hipotonia,hipoglicemia e aumento de bilirrubinas.
As chamadas policitemias primárias podem ser divididas em policitemia vera e eritrocitose idiopática,a primeira representando uma condição que será discutida um pouco mais a fundo nesta revisão.
Na
avaliação inicial,a história e o exame físico podem ajudar a
determinar a causa da policitemia.
Em pacientes com baixa saturação de
oxigênio diagnósticos a serem considerados incluem a doença pulmonar
obstrutiva crônica,cardiopatias congênitas e obesidade mórbida.
Achados
como baqueteamento digital são associados com doenças pulmonares e
cardíacas e sugerem estas como a causa da policitemia.
Pacientes
com história de tabagismo reforçam a possibilidade de DPOC.
Deve-se
acrescentar que 3-5% dos tabagistas cursam com policitemia.
A
policitemia vera (PV),por sua vez cursa com achados que incluem
esplenomegalia,leucocitose e trombocitose,é um diagnóstico raro
ocorrendo em 1 a cada 10.000 indíviduos.
A doença ocorre em 95% dos
casos em pacientes com mais de 40 anos,sendo 85% dos pacientes
com mais de 50 anos de idade.
Cerca de 75% dos pacientes apresentam
esplenomegalia, trombocitose e leucocitose no Policitemia Vera Study
Group.
A PV cursa ainda com complicações como síndrome POEMS
(polineuropatia,organomegalia,endocrinopatia,proteína monoclonal e
alterações cutâneas) e síndrome de sweet ou dermatose neutrofílica,a PV
pode cursar ainda com tromboses e hemorragias,que se presentes em
pacientes com policitemia sugerem o diagnóstico de PV.
Pacientes
com carcinoma renal podem apresentar sintomas sugestivos,mas a camada
tríade do carcinoma de células renais ,que consiste em dor em flanco,massa abdominal e hematúria ocorre na minoria dos casos.
O carcinoma
renal ocorre em 11 a cada 100.000 indivíduos e destes cerca de 1 a 5%
cursam com policitemia.
Pacientes com policitemia secundária a doença
renal têm 8 a 10 vezes maior chance de desenvolver HAS e disfunção
cardíaca.
A
probabilidade do diagnóstico varia conforme os níveis de hematócrito,sendo quanto maior o hematócrito,maior a possibilidade da policitemia
vera.
A tabela 2 sumariza a chance do diagnóstico de policitemia vera
(PV),conforme o hematócrito na apresentação.
Tabela 2:Probabilidade do diagnóstico de policitemia vera conforme o hematócrito.
Homem |
Mulher |
Probabilidade |
<52 |
<47 |
15% |
52-55 |
47-50 |
35-40% |
56-57 |
51-52 |
45% |
58-59 |
53-54 |
65% |
>=60 |
>=55% |
89% |
Exames complementares
O hemograma mostra leucocitose com mais de 12.000 cels/ mm3 em 40% dos casos na PV.
As plaquetas por sua vez são maiores que 400.000 cels/mm3
em 60% dos pacientes.
Aumentos concomitantes nas três séries
hematopoieticas é um achado relativamente específico para o diagnóstico
de PV.
Leucocitose
também ocorre em outras situações,sendo descrita em 6-20% dos
pacientes com carcinoma renal e aproximadamente 10% dos tabagistas.
Pacientes com PV apresentam neutrofilia absoluta em 2/3 dos casos e
basofilia também em 2/3 dos casos,as plaquetas estão aumentadas em pelo
menos 50% dos pacientes e acima de 1.000.000 cels/mm3 em até 10% dos
casos.
Em pacientes com suspeita de policitemia espúria,a realização de cintilografia com radiomarcadores para determinar a massa eritrocitária total.
A
mensuração da saturação de oxigênio é outro exame necessário na
avaliação,em pacientes com saturação de oxigênio menor que 92% ocorre
hipóxia tecidual e aumento da produção de eritropoetina.
No policitemia
vera study group 11% dos pacientes com saturação de oxigênio menor que
92% tinham policitemia.
Deve-se considerar ainda que pacientes com
doença pulmonar estável,que antes tinham hematócrito dentro dos limites
da normalidade,que passem a apresentar policitemia sem alterações dos
níveis basais de oxigenação têm indicação de investigação de policitemia
primária mesmo se níveis de saturação de oxigênio sejam menores que
92%.
Outro fator a ser considerado é que alguns pacientes com PV podem
ter alterações de saturação de oxigênio,um estudo por exemplo achou
estas alterações em 10% dos pacientes com PV.
A
carboxi-Hb também deve ser mensurada na investigação.
Quando os níveis
são superiores a 4% é possível que ocorra policitemia secundária.
Outro
exame necessário é a mensuração do volume plasmático e a massa
eritrocitária.
Quando a massa eritrocitária é normal indica volume
plasmático contraído,portanto uma policitemia irreal,no estudo
Policitemia Vera Study Group 10% dos pacientes apresentavam massa
eritrocitária normal.
Também é recomendada a realização de eletroforese
de hemoglobina para descartar altas porcentagens de hemoglobinas com
alta afinidade por oxigênio,como a HbF, que justificariam hipóxia
tecidual e policitemia secundária.
Na suspeita de PV é necessário avaliar a medula óssea,que se apresenta hipercelular em todas linhagens,principalmente em células vermelhas mas sem achados característicos.
A fosfatase alcalina leucocitária e a vitamina b12 também podem ser solicitadas na investigação,e se encontram aumentados em pacientes com PV.
A tabela 3 sumariza os achados que diferenciam a PV,a policitemia secundária e a policitemia espúria.
Tabela 3: Diagnóstico diferencial das policitemias
Achados |
Policitemia Vera |
Policitemia secundária |
Policitemia espúria |
Esplenomagalia |
+ |
- |
- |
Leucocitose |
+ |
- |
- |
Trombocitose |
+ |
- |
- |
Resposta anormal a adrenalina (induz agregação) |
+ |
- |
- |
SaO2 |
Normal |
Dimuída ou normal |
Normal |
B12 |
Aumentada |
Normal |
Normal |
Fosfatase alcalina leucocitária |
Aumenta |
Normal |
Normal |
Medula Óssea |
Pan-hiperplasia |
Hiperplasia eritroide |
Normal |
Eritropoetina |
Diminuída |
Aumentada |
Normal |
Crescimento endogeno c estimulador de formação de colônias erotrocitárias CFU-E |
+ |
- |
- |
|
|
|
|
Critérios diagnósticos para policitemia vera
Os critérios diagnósticos para policitemia vera são divididos em critérios A e B.
São os seguintes:
Critérios A
A1-Poliglobulia com Hb>18,5 g/dl em homens e 16,5 g/dl em mulheres com volume eritrocitario total>= 36 ml/kg no homem e 32 ml/kg na mulher,ou volume eritrocitário pelo menos 25% a mais que o limite superior da normalidade.
A2-Ausências de causas secundárias de poliglobulia,para isto é necessário:
-SaO2 >92%;
-Ausência de Hemoglobinas de alta afinidade por O2;
-Produção inapropriada de eritropoetina por doença policística renal ou tumor renal;
A3-Esplenomegalia;
A4-Anormalidade citogenética clonal excluindo cromossomo Philadelphia
A5-Formação de colônias eritroides endógenas in vitro B
B1- Trombocitose > 400.000 cels/mm3
B2- Leucocitose > 12.000 cels/mm3 ou 12.500 cels/mm3 em tabagistas sem febre e infecção
B3- Fosfatase alcalina leucocitária > 100pg/ml
B4- B12 > 900 pg/ml
B5- Biópsia de medula óssea com evidência de panmielose com proeminente proliferação eritroide e megacariocítica
B6-Eritropoetina diminuída
PV se todos os A ou A1 + A2 com 2 dos critérios B
Tratamento
Não
é o escopo desta revisão discutir o tratamento da PV,mas convém
discutirmos alguns princípios básicos.
A PV é uma doença que tem uma
fase inicial pletórica de duração de vários anos usualmente.
Nesta fase,o tratamento é sintomático com as flebotomias,com remoção 450 a 500 ml
de sangue a cada 2-4 dias,com retirada menor se menos de 50Kg de peso,em cardiopatas as retiradas devem ser menores e em intervalos maiores,o
objetivo do tratamento é manter o hematócrito menor que 45%.
Devemos
lembrar que a flebotomia é associada com perda de ferro que deve ser
reposto.
Em pacientes com baixo risco de trombose (<60 anos,sem episódio trombótico prévio e com Plaquetas <1.500.000/mm3) podem ser tratados com aspirina para seu risco trombótico,uma vez que a medicação reduz significativamente eventos sem aumentar sangramentos.
Em
pacientes com risco trombótico intermediário,e alto usualmente,é
realizada mielosupressão,naqueles pacientes com risco intermediário a
hidroxiureia é uma opção.
Caso o risco seja alto,tanto a hidroxiureia
como o alfa-interferon são opções aceitáveis.
Outras
medicações estão sendo estudadas e incluem o anagrelide e imatinib,mas
é necessário aguardar os resultados dos novos estudos.
Tabela 2. Estratificação do risco de trombose e tratamento estratificado pelo risco
Risco de Trombose |
Características Clínicas |
Tratamento objetivo: Ht <45% homens e 43% mulheres |
Baixo |
Idade <60 anos Ausência de trombose prévia Plaquetas < 1.500.000/mm3 Ausência de fator de risco cardiovascular |
Flebotomia + AAS 100mg/dia |
Intermediário |
Idade < 60 anos Ausência de trombose prévia Risco cardiovascular presente (HAS ou DM) |
Hidroxiureia 500mg/dia com ajuste de dose até objetivo + AAS 100mg/dia ou INFa 3 milhões unidades 3x/semana + AAS 100mg/dia |
Alto |
Idade ³ 60 anos e/ou História de trombose prévia |
Hidroxiureia 500mg/dia com ajuste de dose até objetivo + AAS 100mg/dia |
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